A
utilidade da raiva
(artigo publicado na revista Saúde Actual - Julho/Agosto 2025)
"Aprendi
através da experiência amarga a suprema lição: controlar a minha ira e torná-la
como o calor que é convertido em energia.
A nossa ira controlada pode ser convertida numa força capaz de mover o
mundo."
-
Mahatma Gandhi
A
raiva é uma emoção humana primária bastante intensa, geralmente despertada
quando sentimos que algo está errado, injusto, é ameaçador ou frustrante.
Tem componentes físicos (tensão, aceleração cardíaca) e psicológicos
(pensamentos de crítica, desejo de agir) e é uma reação natural que faz parte
do nosso sistema de defesa — uma forma do corpo e da mente dizerem: "Algo
precisa mudar."
E
pode ser expressa, reprimida ou canalizada.
Normalmente, no meu trabalho como terapeuta agrego à raiva a revolta, a ira, a
zanga… como uma espécie de amálgama emocional à qual deveremos dar uma especial
atenção para a sua compreensão e transformação ou sublimação – evitando a
repressão.
Isto porque reprimir a raiva — ou seja, negar, esconder ou ignorar a emoção sem
lidar com ela — pode ter consequências sérias tanto para a saúde emocional como
física. A raiva reprimida não desaparece: ela tende a acumular-se no corpo e na
mente, e frequentemente explode de forma descontrolada mais tarde, manifestando-se de formas indirectas e
prejudiciais.
Talvez por isso seja importante
relembrar alguns desses perigos de reprimir a raiva
Problemas
emocionais
Ansiedade
- A raiva reprimida cria tensão interna constante, que pode transformar-se em
ansiedade.
E,
na verdade, muitas vezes encontro pessoas que sofrem de ansiedade porque lidam
mal com a raiva.
Depressão - A raiva voltada contra si mesmo ou não expressa pode levar à
apatia, baixa autoestima e tristeza profunda.
Ressentimento:
Guardar raiva por muito tempo gera mágoa e distanciamento nos relacionamentos.
Auto-sabotagem
- A pessoa pode punir-se inconscientemente por não ter conseguido defender-se
ou impor-se.
Problemas
físicos
Hipertensão
e doenças cardiovasculares - a tensão interna constante pode sobrecarregar o
coração.
Problemas
digestivos – o corpo sofre com a emoção não expressa, resultando em gastrites,
úlceras, etc.
Distúrbios
do sono - raiva acumulada pode causar insónia ou sono agitado.
Baixa
imunidade - emoções reprimidas afetam o sistema imunológico.
Explosões
futuras
Quando
a raiva é constantemente ignorada, ela acumula-se como uma panela de pressão.
Mais cedo ou mais tarde a pessoa pode explodir de forma desproporcional, em
situações pequenas; pode ser desviada para pessoas inocentes (como filhos,
colegas, amigos ou copanheiros)
Relações
prejudicadas
Pessoas
que reprimem a raiva frequentemente tornam-se passivo-agressivas (indirectas,
sarcasmo, sabotagem); aceitam mais do que deveriam, acumulando frustrações; desenvolvem
relacionamentos desequilibrados, com medo de confronto;
Perdem
autenticidade, pois escondem os seus verdadeiros sentimentos.
Desconexão
consigo mesmo
Reprimir
a raiva frequentemente leva à desconexão emocional uma vez que a pessoa deixa
de saber o que sente, do que precisa ou quais são os seus limites.
Isso
afecta a capacidade de tomar decisões assertivas e viver de forma íntegra.
A
lista dos perigos e riscos de uma raiva reprimidas deve ser observada com
atenção e respeito, porque a quantidade de pessoas que pela sua educação ou
decisão vão optando pela sua repressão – negando, escondendo ou ignorando – é bastante
significativa.
E essa
repressão da raiva raramente é vista como um problema a trabalhar.
Muitas pessoas assumem que esta repressão da raiva é uma característica natural
da sua qualidade humana – mas não é.
Continuar a reprimi-la é um grave erro.
A raiva tem a sua importante utilidade e função. Para melhor lidarmos com
ela é fundamental compreender e respeitar essa mesma utilidade – para que a
aceitemos e sublimemos.
A chave não é “explodir” nem “engolir”, mas reconhecer, compreender e expressar
a raiva com consciência e respeito.
Tendo
uma função social e biológica importante ela é uma emoção natural com funções
adaptativas, ou seja, ajuda-nos a sobreviver, a proteger-nos e a agir diante de
situações especialmente difíceis como injustas, ameaçadoras ou frustrantes.
Algumas dessas utilidades ou funções podem ser:
Sinal de que algo está errado - actuando
como um alarme interno que indica que um limite foi ultrapassado; fomos
desrespeitados; sofremos uma injustiça; estamos a ser ameaçados emocional ou
fisicamente.
Ajuda-nos
a tomar consciência de que precisamos fazer algo em relação ao que está a
acontecer.
Protecção
e defesa - do ponto de vista evolutivo, a raiva é uma emoção que nos prepara
para o confronto quando nos sentimos em risco. Aumenta a energia física (como
batimentos cardíacos e fluxo sanguíneo); activa a coragem para enfrentar
perigos ou ameaças; defende a dignidade e os valores pessoais.
Motivação
para mudança - quando bem canalizada, a raiva pode ser uma força criativa e
transformadora.
Movimentos
sociais e lutas por direitos muitas vezes nascem da indignação (forma ética da
raiva).
Pode
levar uma pessoa a dizer “basta” e sair de relações abusivas, injustas ou
paralisantes.
Serve
de combustível emocional para tomar atitudes difíceis.
Afirmação
pessoal - expressar raiva de forma consciente pode reforçar a autoestima e a
autonomia; ajudar a estabelecer limites claros nos relacionamentos; mostrar aos
outros que não toleramos abusos.
Facilita
a comunicação emocional - quando usada com inteligência emocional, a raiva comunica
desconfortos que talvez não fossem ditos de outra forma; estimula o diálogo
sobre frustrações ou conflitos; ajuda a negociar mudanças nas relações.
Quando é que a raiva se torna um problema?
A
raiva perde a sua utilidade ou funcionalidade quando é reprimida por muito
tempo, gerando mágoas, feridas emocionais, somatizações ou depressão; quando é explosiva
e descontrolada, causando violência ou rupturas; quando se torna crónica,
alimentando ressentimento e amargura.
Se
você é daquelas pessoas que acumula raiva, tem explosões em que se zanga
desproporcionalmente, tem aversão ou não gosta de se sentir com raiva… é bem
provável que esteja a precisar de abordar esse assunto e trabalhá-lo em si.
Temos direito a não gostar muito dessa difícil emoção, mas por muito que não
gostemos dela é fundamental ensinarmo-nos a lidar com ela de uma forma
emocionalmente inteligente.
Reprimi-la, ignorá-la ou nega-la não é o caminho.
Mário Rui Santos
hipnoterapeuta – www.Hipnose.pro
formador da Hypnos/A-GPHM – www.Hipnoterapia.pro
presidente da Associação-Grupo Português de Hipnose e Motivação – www.Hipno.pt
*a pedido
do autor, este texto não segue as normas do acordo ortográfico
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