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Rejeição

Você desce um rio. A determinada altura surge um curso de água, que parece acompanhar o seu rio.
Belo. Com umas margens fantásticas. Você muda a sua direcção e começa a descer esse outro rio.
A corrente tranquila vai afastando-o, levando-o. Você aproveita e num gesto de amor olha para alguns pontos ou partes desse outro rio menos luminosas, menos coloridas ou menos vivas e preocupa-se, cuida-as. E limpa-se, banha-se, diverte-se enquanto o faz. Sente-se feliz. Tão feliz.
De vez em quando encosta o seu barco a uma ou outra margem, deita-se e observa. Desfruta sorri. A agua está morna. Mergulha, banha-se. Sente-se feliz.
Pontualmente, sobe aqui e ali um, um pouco contra a corrente. Mas continua descendo. Desfrutando.
Aventura-se um pouco mais e coloca-se no meio. Entre margens. Enquanto elas se afastam cada vez mais. Enquanto o leito se alarga e torna ainda mais bela a experiência.
É fantástica a experiência que temos, a beleza de que desfrutamos. Nadamos, sorrimos, flutuamos, navegamos. E o leito alarga, a corrente grita. Mas as margens são cada vez mais belas, e continuamos.
De repente...você não controla é sugado por um único caminho. A queda que se ouve. Os rápidos surgem. Tenta uma qualquer direcção. Qualquer uma.
É impossível. Só existe aquela em que você vai. A descida. E é engolido. Numa descida entre água e ar, sem saber ou sentir por onde vai ou para onde vai. Amaldiçoa o momento em que veio por aquele outro rio. Amaldiçoa-se a si, ao mundo ao rio que o banhou.
A sua queda continua, entre vácuo, vento, gotas, água...a sua vida parece acompanhá-lo no mergulho.
O seu corpo embate, duramente em algo que o envolve. Não respira. Quase sufoca.
Perdido, não sabe para que lado se salvar. Baixa os braços por instantes...o corpo flutua. Indica-lhe uma direcção.
A sua cabeça sai debaixo de água. Respira, ofegante. Renascido.
Reclama e amaldiçoa mais uma vez a sua escolha, o seu sofrimento.
Olha para trás, finalmente.
O rio, o seu rio, espera-o.

"Não deixaremos de explorar e,ao término da nossa exploração deveremos chegar ao ponto de partida e conhecer esse lugar pela primeira vez."
T.S. Eliot

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Esta abordagem à "Rejeição e Perda" irá continuar - se tiver algum comentário ou contributo agradeço-lhe o envio para mrs@marioruisantos.net ou através de um comentário a este post.
Obrigado

Comentários

Anónimo disse…
Mário,gostei imenso deste seu texto...mesmo!Bons olhos o leiam :)
Anónimo disse…
Amigo :) como disse o Jorge, bons olhos te leiam.Gosto de te ler.
Sabem, este é um tema rico. Muito rico. Já me senti rejeitado e também já involuntariamente provoquei este sentimento. Como penso que à maior parte de nós terá acontecido. E neste meu crescer de mim para mim e de mim para os outros, senti que seria bom partilhar e pedir a partilha. Para nos compreendermos um pouco melhor talvez. Porque neste mundo só há mesmo uma pessoa capaz de nos rejeitar: nós próprios. Abraços...
Anónimo disse…
Esta coisa de falar de rejeição não é assim muito simples.É difícil as pessoas admitirem que sentiram isso.Mesmo já tendo passado algum tempo.Faz-me lembrar o alcoolismo.Aquele primeiro passo de dizer "eu...sou alcoólico",aqui diria "eu...senti rejeição".A esta distância já nem me lembro bem o que senti,mas não me senti lá muito bem.Gostei do texto;)
“A sua cabeça sai debaixo de água. Respira, ofegante. Renascido.”…
Olhas para cima e dizes numa voz desafiante! “Eu sobrevivi este desafio! Eu ainda estou cá. Este foi o percurso que eu escolhi, e sou capaz de o navegar!”
Levantas-te e voltas para a corrente, para ver o que esta por traz da próxima curva!
jinhos
Anónimo disse…
Gosto de quase tudo o que escreve ... tambem quero muito comprar o seu livro ... que pena eu não pode ir a apresentação ... bem aja ... e como alguem atrás disse bons olhos te Leiam ... ÈS realmente uma mais valia neste nosso mundo ... * já agora estou á uns meses á espera que me envies o tál CD, sei que tens estado muito ocupado ,mas vê-lá faz-me muita falta...ABRAÇO
Margarida Ramos disse…
A corrente da rejeição torna-se turbulenta, quase... que nos engole, que nos sufoca....
Mas esta corrente permite-nos afirmar a corrente com que nos identificamos...a da partilha, a da amizade...a da existência dferenciada do outro.
Margarida Ramos disse…
A corrente da rejeição torna-se turbulenta, quase... que nos engole, que nos sufoca....
Mas esta corrente permite-nos afirmar a corrente com que nos identificamos...a da partilha, a da amizade...a da existência diferenciada do outro.
Xicha disse…
Mário gostava de te dar os parabéns por teres editado o teu livro, tenho a certeza que muita sabedoria se poderá lá encontrar , votos de muitos sucessos
beijinhos
Neste mundo só há mesmo uma pessoa capaz de nos rejeitar: nós próprios.
E quando o vamos percebendo, vamos também percebendo que o melhor caminho é amarmos e perdoarmos os nossos próprios erros. Amando e perdoando a nós próprios de uma forma dinâmica colocamo-nos em acção, em movimento sábio para tantas outras vitórias, derrotas, sucessos, erros, enfim...experiências e degraus de vida.
Porque a escada da vida aguarda-nos todos os dias para a subirmos. E mesmo que ás vezes a subamos para baixo saberemos sempre de que lado está a luz.
Anónimo disse…
FELIZ 2009 !Olá Mário então e o CD ,quando vais ter tempo ? Este ano ,podias ajudar tanto a minha Amiga *****desculpa insestir mas era mesmo bom se podesses enviar em breve. Bem Aja .
Anónimo disse…
Como poderiamos compreender quem se sente rejeitado, ser sensivel ao sofrimento se nós não tivessemos passado por isso também.
A altivez e o desprezo pelos que sofrem mostra a frieza de quem não aceitou ter sofrido também.
A experiência desta vida e os desafios que ela nos vai trazendo, enriquecem-nos. A riqueza da experiência traz-nos proximidade à compreensão do próximo que vive as experiências que já vivemos. A proximidade à compreensão faz-nos colocar ao seu lado na análise partilha dos possíveis e saudáveis cenários futuros. E esses são tantos...
Anónimo disse…
"Todos gostariamos de vestir uma armadura para nos protegermos da vergonha, da raiva, da depressão e da ansiedade que a rejeição pode provocar. Nenhum de nós é imune à dor da rejeição, mas quanto mais amadurecemos menores são as hipoteses de a encararmos a nivel pessoal. Quando reconhecemos que a rejeição não é uma acusação, mas uma experiencia que devemos encarar repetidamente, tudo se torna mais fácil de suportar", "Sem Medo de Viver", Dra Harriet Lerner, Edições Asa - Lua de Papel
Anónimo disse…
"Todos gostariamos de vestir uma armadura para nos protegermos da vergonha, da raiva, da depressão e da ansiedade que a rejeição pode provocar. Nenhum de nós é imune à dor da rejeição, mas quanto mais amadurecemos menores são as hipoteses de a encararmos a nivel pessoal. Quando reconhecemos que a rejeição não é uma acusação, mas uma experiencia que devemos encarar repetidamente, tudo se torna mais fácil de suportar", "Sem Medo de Viver", Dra Harriet Lerner, Edições Asa - Lua de Papel
Gabriel Cristovão disse…
Rejeição é o que sentimos quando algo ou alguém nos põe de lado. Ou será que é esse algo ou alguém que se põe de lado?
Anónimo disse…
Rejeição = Amadurecimento
Amadurecimento = Conhecimento
Conhecimento = Amor
Amor = Felicidade
Tudo se transforma,basta querer,basta acreditar, tudo vai do desejo interno e da contribuição para a união do bem estar fisíco+emocional+intelectual e para quem quer espiritual.O caminho tem sempre dois lados, mas não deixa de ser o caminho:)

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