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O discurso de Ghandi


Durante a sua estadia na Inglaterra, em 1931, quando a Columbia Gramophone Company lhe pediu para fazer um registo, Gandhi argumentou que lhe seria difícil falar de política. Foi então que com a idade de 62 anos ele gravou a sua voz para ecoar pelo tempo. Confessando a sua ansiedade para falar sobre os assuntos espirituais, em 20 de outubro de 1931 ele leu o seu artigo "Em Deus".

A primeira vez que tomei contacto com este texto estava ele exposto numa parede no Centro Olga Cadaval, em Sintra, enquanto o audio do discurso se fazia ouvir.
Algumas vezes afastei o meu olhar do texto, enquanto me mantinha a ouvir a voz de Ghandi. No entanto, sempre que me voltava a focar nas palavras escritas a palavra que lia coincidia exactamente com a palavra que ouvia.

Este é o texto

"Há um poder misterioso indefinível que permeia tudo, sinto-o apesar de não o ver. 
É esse poder invisível que se faz sentir e ainda desafia toda a prova, porque é tão diferente de tudo o que vejo através dos meus sentidos. Ele transcende os sentidos. 

Mas é possível questionar a existência de Deus até um certo ponto.
Mesmo em assuntos comuns, sabemos que as pessoas não sabem quem as governa ou por quem e como são governadas e ainda assim sabem que há um poder que, certamente, vai regendo.

Na minha viagem do ano passado em Mysore eu conheci muitos aldeões pobres e percebi que eles não sabiam quem governava Mysore. Eles simplesmente disseram que algum Deus governava. 
Se o conhecimento dessas pobres pessoas era tão limitado sobre os seus governantes, eu que sou infinitamente menor em relação a Deus, não me surpreendo se não perceber a presença de Deus - o Rei dos Reis.

No entanto, eu sinto-me, como os aldeões pobres se sentiam sobre Mysore. Que não há ordem no universo, existe uma lei inalterável que rege tudo e todos os seres que existe ou vidas.
Não é uma lei cega. Nenhuma lei cega pode governar a conduta do ser vivo. E graças às pesquisas maravilhosas de Sir JC Bose pode agora ser provado que até mesmo a matéria é a vida. 

Essa lei, que rege toda a vida é Deus. E a lei e o legislador são um. Eu não posso negar a lei ou o legislador, porque eu sei tão pouco sobre ela ou ele. Assim como minha negação ou a ignorância da existência de um poder terrestre de nada me vai valer, tal como a  minha negação de Deus e Sua lei não vai me libertar de sua operação.

Mas a sua aceitação humilde faz com que a jornada da vida seja mais fácil, tal como a aceitação da lei terrena torna a vida mais fácil. 

Eu percebo vagamente, que enquanto tudo ao meu redor está sempre mudando, sempre morrendo, lá está - subjacente a toda a mudança - um poder vivo que é imutável, que mantém todos juntos, que cria, recria e se dissolve. 

Esse poder que dá vida em forma de espírito é Deus, e já que nada do que eu vejo apenas através dos sentidos pode ou vai persistir, só Ele é. 

E é esse poder benevolente ou malevolente? Eu vejo isso como puramente benevolente, pois posso ver que no meio da morte a vida persiste, no meio da mentira a verdade persiste, no meio das trevas a luz persiste. 

Assim entendo que Deus é vida, luz, verdade. Ele é amor. Ele é o Bem supremo.

Mas Ele não é um Deus, que apenas satisfaz o intelecto, se é que ele o faz. 
Deus para ser Deus governa o coração e transforma-o. Ele deve expressar-se em cada pequeno acto do Seu devoto.

Isso só pode ser feito através de uma compreensão definitiva, mais real do que os cinco sentidos - que podem sempre produzir percepções. As percepções dos sentidos, podem ser - e muitas vezes são -  falsas e enganosas, por mais reais que possam parecer para nós. Quando há compreensão para além dos sentidos esta é infalível.

Está provado, pela conduta e pelo carácter transformados daqueles que se sentiram a presença real de Deus dentro si. Tal testemunho encontra-se nas experiências de uma linha ininterrupta de profetas e sábios em todos os países. Rejeitar esta evidência é negar-se a si mesmo.

Esta compreensão é precedida por uma fé inamovível. Aquele que é, em sua própria pessoa a prova viva da presença de Deus pode fazê-lo por uma fé viva.

Uma vez que a própria fé não pode ser provada por indícios exteriores o caminho mais seguro é acreditar no governo moral do mundo e, portanto, na supremacia da lei moral , a lei da verdade e do amor. O exercício da fé vai ser o mais seguro, onde há uma clara determinação sumariamente a rejeitar tudo o que é contrário à verdade e amor.

Confesso que não tenho nenhum argumento para convencer através da razão. A fé transcende a razão. Tudo o que eu posso aconselhar é a não tentar o impossível. "

Comentários

Paula noguerra disse…
Há mensagens que tocam no coração rápido mas nem em todos. Cada pessoa tem o seu tempo para ela fazer o efeito desejado ou apropriado. É como livros e pessoas que nos tocam nos momentos que mais precisamos, ou porque chegou o tempo certo.
Chegou o tempo de uma mensagem como esta tocar as pessoas certas.

OBRIGADA PELA PARTILHA AMIGO :)

BJS CARINHOSOS XXX
João Pereira disse…
"...posso ver que no meio da morte a vida persiste, no meio da mentira a verdade persiste, no meio das trevas a luz persiste..."

Também no meio da "lixeira" de políticos tanto passados como presentes,POR ALGUMA RAZÃO GHANDI PERSISTE...
Obrigado Mário.
Acredito que Ghandi persiste para, entre outras coisas e assuntos, nos ir lembrando que há outra forma, que há outro caminho...
Anónimo disse…
Simply beautiful ........thanks Mahatma.....thanks Rui Santos.......

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