2007/08/31

O caminho para Singapura

E naquele fim de tarde James aproximou-se de mim, dizendo: "Sabes Mário, tu de Kuala Lumpur até Singapura podes ir por dois caminhos. Ou vais pela auto-estrada e chegas lá num instante, bem confortável mas talvez um pouco vazio, ou vais pela floresta, passando por montanhas, vales e rios. Na segunda hipótese terás muito mais possibilidades de te enganares, cometeres erros, magoares-te...estou certo disso. Quanto a isso não podemos fazer nada senão dizer-te que todos esses contratempos são parte do caminho e que vais aprender com eles. Por esse caminho podes mesmo até muitas vezes sentir que não vale a pena e quereres parar ou voltar para trás, mas à medida que avanças vais sentir-te mais forte, cansado mas forte. E ainda antes de chegares a Singapura vais começar a sentir um sorriso dentro de ti, também ele mais forte e cheio de luz. E nessa altura vais perceber porque não foste pela auto-estrada."

2007/08/14

O sacrifício de adiar


Adiar ou, se quisermos, reagendar é provavelmente a acção que menos adiamos e imediatamente colocamos em prática no nosso dia-a-dia. Supomos nós, nesta nossa simpática ignorância, que é fácil fazê-lo. E como tal, lá vamos continuando a adiar.

Racionalizando um pouco a situação, percebemos rapidamente que não é assim tão fácil adiar. A verdade é que adiar traz consigo um peso maior com a gestão da frustração do não fazer.

Assim que colocamos um pensamento, uma intenção, na nossa mente - algo que para nós é importante - essa informação fica num modo de espera até à sua concretização ou implementação. Se adicionarmos a esse facto aquilo que sabemos por antecipação que essa concretização ou implementação nos trará de positivo, estamos a negar-nos a essa satisfação.
Teremos desta forma de ir gerindo a negação de uma satisfação, a presença constante de um elemento que nos relembra essa tarefa e a frustração por ainda não a termos concretizado. O desgaste energético é tremendo nesta gestão, e a comparação com o "aparente ganho" do adiar constante é, na maior parte das vezes, injusto.
Injusto porque não avaliamos de forma clara e imparcial os ganhos de uma e outra situação. Tendemos a ser imediatistas ou comodistas no usufruto de um prazer aparente, esquecendo-nos que estamos a incorrer num sofrimento ainda maior: o de adiar.

Constata-se desta forma que o implementar, o concretizar, o agir já, é um fantástico e incomparável prazer.

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"Não evitas esse combate, só o vais adiar, para tua própria desvantagem."
Niccolò Machiavelli in "O Príncipe"

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Há uns meses atrás surgiu-me uma vontade imensa de conhecer uma cidade perdida na selva. A sua beleza, o seu mistério e a ligação ao budismo, foram factores que fizeram focar a minha atenção em Angkor Wat.
Passado pouco tempo alguém decidiu ajudar-me a deixar de adiar este meu sonho e a possbilidade de lá ir...chegou.
E assim, meus caros amigos, deixo este meu pequeno espaço por alguns dias e por uma boa causa, e lá irei. Agindo já, em direcção a Angkor. Até já !

2007/08/11

Heróis


Há momentos da nossa infância ou adolescência que muitas vezes prefeririamos nunca terem acontecido e que, como adultos que somos, relativizamos ou evitamos - não lhes dando a importância devida porque fazem parte de um passado que não nos interessa.

Esta é a estratégia habitual da maior parte das pessoas, levando a evitar - ou até mesmo a reprimir - as memórias dessas situações.

A grande e inovadora alternativa proposta é a de abraçarmos essa nossa criança ou adolescente dentro de nós e dizer-lhe quem somos, o quanto ele (criança ou adolescente) é importante para nós, o quanto o amamos, o quanto lhe agradecemos, e finalmente abraçá-lo, acalmando-o, tranquilizando-o e acompanhá-lo por aquela memória que não nos é muita grata. Mas à qual sobrevivemos e ultrapassámos.
Restruturando essa memória não como um sofredor mas como um ser mais forte, e orgulhoso por isso, por ter lidado com essa situação com os recursos que dispunha e da melhor forma que sabia na altura. Como um herói.

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"Entre dos tierras" - Heroes del Silencio

2007/08/10

O primeiro olhar



Escolhe um amigo, um familiar ou um colega que conheças há já alguns anos. O momento é o de uma normal conversa. Sente no teu cérebro um passo atrás ou uma mudança de nível e olha para essa pessoa como se estivesses a olhar para ela pela primeira vez. Como se a estivesses a conhecer naquele momento.
Observa-a enquanto vais estabelecendo os pressupostos de quem conhece alguém pela primeira vez. Pela forma como fala, como se exprime, como olha, as palavras que usa, etc. É provável que a pessoa note uma diferença no teu olhar, é normal.
Constrói o retrato dessa pessoa, estabelece esses novos pressupostos e, após alguns momentos, volta a dar um passo na direcção dessa pessoa, entrando no mesmo nível cerebral de conhecimento mútuo.
Compara os teus novos pressupostos com a informação que já possuías sobre essa pessoa, que outra característica lhe observaste ? Que outra perspectiva sobre essa mesma pessoa construiste ?
Agora, faz o mesmo contigo. Ao espelho.

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"Um sábio muda de opinião. Um tolo nunca o fará. "
Provérbio espanhol

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"Yellow" - Coldplay

2007/08/07

Tolerância Zero, Compaixão Máxima


Sou um defensor acérrimo da compaixão, mais na perspectiva budista de quem olha o próximo dando espaço e tempo para que este mostre o seu melhor, o seu lado positivo. Numa perspectiva de me predispor - e ao ambiente que controlo - para que o lado positivo do meu interlocutor se mostre ou se revele.
Gosto de acreditar que cada um de nós tem esse fantástico lado positivo de energia, virtudes, capacidades ou qualidades que fazem com que esta vida entre humanos seja mais interessante.

O que se passa em termos reais é que por vezes esta nossa compaixão tem de se transformar numa compaixão mais dinâmica, mais activa. Optando-se por provocar a erupção das qualidades positivas em vez de ficarmos numa postura passiva.

Assim, o que se verifica é que perante a inalteração de comportamentos por parte de alguém, e após termos investido uma postura compassiva com esse alguém, se deverá proceder a uma pequena alteração estratégica. E defendo esta tese baseado na premissa de que se nada fizermos de um modo mais activo para contribuirmos para a alteração do comportamento desse alguém, o que de facto estamos a ser é CRUEIS.

Dou-vos um pequeno exemplo. Há uns dias atrás um amigo meu falava comigo, queixando-se que a mulher dele dava muita atenção ao ex-marido que era um pobre indigente, sem dinheiro, etc. etc. Esse meu amigo dizia que este "ex-marido" era um frequentador habitual da sua casa, solicitando os mais diversos favores como dinheiro, empréstimo do carro, etc. etc. Ao que a sua mulher regularmente anuía com o argumento que deviam ter compaixão dele e ajudá-lo.
Estes argumentos que a mulher dele usava normalmente desarmavam-no e ele - esse meu amigo - lá ia aceitando a situação a contragosto.

Falando nós os dois sobre esse assunto, a minha primeira reacção face à situação foi de quase completo desarme. No entanto, enquanto falava com ele sentia que naquela situação havia algo que não fazia muito sentido. E apercebi-me que o que fazia menos sentido era o próprio argumento que a mulher dele usava : o argumento da compaixão.
Aquilo que ela estava a fazer não era um exercício de compaixão, mas sim de crueldade. Crueldade em primeira instância para com o próprio ex-marido, perpetuando uma dependência ao invés de contribuir para uma autonomia, e para com a família actual, ao permitir uma intrusão regular e desequilibrante no sistema.
Em fracção de segundos, aquilo que parecia ser uma bonita demonstração de compaixão revelou-se uma das maiores perversidades da mesma.

Em família, estas situações são bastante frequentes. Acima de tudo porque o grau de tolerância entre pessoas tende a ser maior e a esperança que as pessoas mudem os seus comportamentos é também maior. É também muitas vezes frequente adoptarem-se respostas mais passivas porque se assume que qualquer reacção pode piorar ainda mais o ambiente. E assim se perpetuam silêncios de sofrimento, de falsa tolerância ou de esperança convertida em comodismo.

Mas esta atitude passiva, de tolerância ou esperança, tem de ter um limite caso contrário torna-se mutuamente corrosiva. Há que estabelecer limites para que a partir de um determinado ponto a tolerância seja nivelada a um zero e a compaixão se active e se maximize. Materializando-se numa comunicação clara, tranquilamente despertadora do bom-senso, quase provocatória, quase pedagógica, mas acima de tudo construtiva.

É o assumir de uma tolerância zero, com uma compaixão máxima e dinâmica.

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"O destino é cruel e os homens são dignos de compaixão."
Arthur Schopenhauer

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James - "Sometimes, when I look deep in your eyes, I swear I can see yoursoul..."

2007/08/06

A força do erro


Se perguntassemos a treze pessoas se elas admitiam os seus erros, acredito que teriamos o seguinte resultado:

- Duas pessoas diriam que sim, que facilmente os admitem;
- Três pessoas diriam também que sim e imediatamente pediriam desculpa, embora não soubessem porque o estavam a fazer:
- Outras duas diriam que sim, embora não o pensassem genuinamente;
- Duas hesitariam, não sabendo o que dizer;
- Ainda outras duas diriam que não;
- E por fim, as últimas duas diriam que nunca erram.

A tendência que se verifica é que quanto mais o ser humano se torna adulto mais dificilmente ele admite os seus erros, uma vez que se considera mais conhecedor, mais sábio e mais experiente. Não deixando assim espaço para a realização de erros. É orgulhosamente sábio de uma forma estúpida.

Este "orgulho" é um falso e ignorante orgulho que bloqueia ou estagna, perpetuando um sofrimento ou adiando um fecho, que evita a comunicação e a dissolução de bloqueios de uma relação ou de uma forma de estar na vida.

Orgulho é o que sentimos com o que fazemos bem, e também quando nos confrontamos com o que fazemos menos bem e o corrigimos ou esclarecemos para fazer ainda melhor. Esse sim, parece-me ser o verdadeiro orgulho.

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"O nosso grande erro é tentarmos obter de cada um as virtudes que ele não tem e esquecermo-nos de cultivar as virtudes que ele tem."
Marguerite Yourcenar

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"Fix You" - Coldplay

2007/08/04

Católico praticante, activista ou militante




Para que se saiba, e se esclareça este pressuposto, informo que sou católico porque os meus pais assim o decidiram e como tal me baptizaram. Como penso acontecer com a grande maioria dos portugueses.

E apesar de me considerar um católico praticante, raramente vou à missa mas vou muitas vezes à igreja para conversar com Deus de uma forma mais concentrada, calma e tranquila. Embora existam também outros fantásticos locais para o fazer. Mas gosto de ir às igrejas, especialmente quando não há missa.

E refiro isto porque no meu trabalho faço muitas vezes a pergunta "Acredita em Deus ?" e tenho as mais diversas respostas (como aliás poderão ver na sondagem que existe neste blog - coluna à direita). Existe no entanto uma que mais frequentemente surge: "sou católico, mas não sou praticante". Sendo esta resposta muitas vezes dada com alguma quase mágoa ou sentimento de culpa.

Embora a minha pergunta não tivesse sido exactamente essa, se fosse teria perguntado "qual a sua religião ?", compreendo o que as pessoas me querem transmitir.

E quando a resposta é essa questiono-os sobre alguns princípios de vida, da sua vida, e chego à conclusão que poderão não ser católicos "praticantes" porque não vão à igreja regularmente, mas são - na maioria das vezes - católicos activistas ou militantes, bons cristãos, cidadãos respeitosos, pessoas simpáticas, ternas e atentas ou apenas, mas tão ou mais importante, bons seres humanos.
(imagem: Deus - Michelangelo)

2007/08/03

A presença


A Isabel é uma amiga minha que a determinada altura da vida dela começou a sentir algumas capacidades. Capacidades especiais que, dizia, a ajudavam a ela e alguns próximos dela a entender algumas realidades envolventes.
Encontro-me com ela poucas vezes, sempre num almoço em que pomos as conversas em dia. E num desses encontros - o último por acaso - a determinada altura da refeição ela virou-se para mim e disse-me: "Sinto uma presença por trás de ti. Uma energia..."
- E pensas que é uma boa ou menos simpática presença ? - perguntei eu.
- É algo que te agarra, que te prende. - disse-me ela.
- Hmmm...então e de que lado está essa presença ?
- Está por trás...não...está sobre o teu ombro esquerdo.
- OK - disse eu fechando os olhos, e imaginando a minha cor azul-verde-violeta a envolver-me e a iluminar os meus ombros, inspirei fundo. Retive o ar e comecei a expirar enquanto sacudia o meu ombro esquerdo com a minha mão direita e depois o meu ombro direito com a minha mão esquerda. E assim fiz, até não ter mais ar para expirar.
Quando abri os olhos com um sorriso, Isabel olhava para mim de olhos arregalados. E continuei a sorrir quando de repente sem me dizer nada, visivelmente incomodada, Isabel levantou-se da mesa e saíu do restaurante.
E eu...eu continuei a sorrir de gratidão, a respirar fundo e a sentir-me leve. Bem leve.