2007/12/27

Paixões, amores, encontros, desencontros e reencontros


18h45 ligo para um número de alguém que me ligou para o telemóvel. Um número que não conheço e procuro identificar, como habitualmente faço quando alguém me liga e não posso atender.
Do outro lado da linha a voz de uma mulher. Familiar. Familiar demais.
"Mário Rui ?" - pergunta-me aquela voz.
"Sim, sou eu !" - respondo, estúpida e injustificadamente zangado. Mais tarde percebo porquê.
- O que queres ? - continuo eu. Zangado, ainda sem saber porquê.
- Ligaste-me, e eu liguei-te de volta ! - diz-me aquela voz do passado.
- Impossível ! Nem sequer tenho o teu número...não percebo o que estás a querer dizer !
Do outro lado a voz insiste: - Ligaste-me !
- Impossível ! - respondo eu ainda zangado.
- Pois não sei o que aconteceu ! - diz-me a voz - Mas está tudo bem contigo ? Com os miúdos também ?
- Sim. - mais calmo - E contigo ?
- Tudo lindamente. Já agora aproveito para te desejar um feliz natal.
- Um feliz natal também para ti.
Desligámos.
Mais tarde liguei para aquela voz do passado.
Pedi-lhe desculpa pelo meu tom zangado, perguntei-lhe tranquilamente como estava e despedi-me, pacífico.
Deixando de novo aquela voz...no passado.

"Superstars" - David Fonseca

"Não sei quantas almas tenho" - Fernando Pessoa


Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem achei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é.

Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem,
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.

Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo: "Fui eu?"
Deus sabe, porque o escreveu.

Fernando Pessoa

"O cérebro e a noção do tempo"


O cérebro humano mede o tempo por meio da observação dos movimentos.
Se alguém colocar você dentro de uma sala branca vazia, sem nenhuma mobília, sem portas ou janelas, sem relógio... você começará a perder a noção do tempo.

Por alguns dias, sua mente detectará a passagem do tempo sentindo as reacções internas do seu corpo, incluindo os batimentos cardíacos, ciclos de sono, fome, sede e pressão sanguínea.

Isso acontece porque nossa noção de passagem do tempo deriva do movimento dos objectos, pessoas, sinais naturais e da repetição de eventos cíclicos, como o nascer e o pôr-do-sol.

Compreendido este ponto, há outra coisa que você tem que considerar:
Nosso cérebro é extremamente optimizado.
Ele evita fazer duas vezes o mesmo trabalho.
Um adulto médio tem entre 40 e 60 mil pensamentos por dia.
Qualquer um de nós ficaria louco se o cérebro tivesse que processar
conscientemente tal quantidade.

Por isso, a maior parte destes pensamentos é automatizada e não aparece no índice de eventos do dia e portanto, quando você vive uma experiência pela primeira vez, ele dedica muitos recursos para compreender o que está acontecendo.
É quando você se sente mais vivo.

Conforme a mesma experiência vai se repetindo, ele vai simplesmente
colocando suas relações no modo automático e “apagando” as experiências duplicadas.

Se você entendeu estes dois pontos, já vai compreender porque parece que o tempo acelera, quando ficamos mais velhos e porque os Natais chegam cada vez mais rapidamente.

Quando começamos a dirigir automóveis, tudo parece muito complicado, nossa atenção parece ser requisitada ao máximo.
Então, um dia dirigimos trocando de marcha, olhando os semáforos, lendo os sinais ou até falando ao celular ao mesmo tempo.

Como acontece?
Simples: o cérebro já sabe o que está escrito nas placas (você não lê com os olhos, mas com a imagem anterior, na mente); O cérebro já sabe qual marcha trocar (ele simplesmente pega suas experiências passadas e usa, no lugar de repetir realmente a experiência).
Em outras palavras, você não vivenciou aquela experiência, pelo menos para a mente. Aqueles críticos segundos de troca de marcha, leitura de placa...
São apagados de sua noção de passagem do tempo...

Quando você começa a repetir algo exactamente igual, a mente apaga a
experiência repetida.

Conforme envelhecemos, as coisas começam a se repetir -as mesmas ruas,
pessoas, problemas, desafios, programas de televisão, reclamações...
enfim... as experiências novas (aquelas que fazem a mente parar e pensar de verdade, fazendo com que seu dia pareça ter sido longo e cheio de novidades), vão diminuindo.
Até que tanta coisa se repete que fica difícil dizer o que tivemos de
novidade na semana, no ano ou, para algumas pessoas, na década.

Em outras palavras, o que faz o tempo parecer que acelera é a...
ROTINA

Não me entenda mal.
A rotina é essencial para a vida e optimiza muita coisa, mas a maioria das pessoas ama tanto a rotina que, ao longo da vida, seu diário acaba sendo um livro de um só capítulo, repetido todos os anos.

Felizmente há um antídoto para a aceleração do tempo:
M & M (Mude e Marque)
Mude, fazendo algo diferente e marque, fazendo um ritual, uma festa ou
registros com fotos;
Mude de paisagem, tire férias com a família (sugiro que você tire férias sempre e, preferencialmente, para um lugar quente, um ano, e frio no seguinte) e marque com fotos, cartões postais e cartas;

Tenha filhos (eles destroem a rotina) e sempre faça festas de aniversário para eles, e para você (marcando o evento e diferenciando o dia);

Use e abuse dos rituais para tornar momentos especiais diferentes de
momentos usuais;

Faça festas de noivado, casamento, 15 anos, bodas disso ou daquilo,
bota-foras, participe do aniversário de formatura de sua turma, visite
parentes distantes, entre na universidade com 60 anos, troque a cor do
cabelo, deixe a barba, tire a barba, compre enfeites diferentes no Natal, vá a shows, cozinhe uma receita nova, tirada de um livro novo;
Escolha roupas diferentes, não pinte a casa da mesma cor, faça diferente;
Beije diferente sua paixão e viva com ela momentos diferentes;
Vá a mercados diferentes, leia livros diferentes, busque experiências
diferentes;

Seja diferente!

Se você tiver dinheiro, especialmente se já estiver aposentado, vá com seu marido, esposa ou amigos para outras cidades ou países, veja outras culturas, visite museus estranhos, deguste pratos esquisitos... em outras palavras......

V-I-V-A. !!!*

Porque se você viver intensamente as diferenças, o tempo vai parecer mais longo.
E se tiver a sorte de estar casado(a) com alguém disposto(a) a viver e
buscar coisas diferentes, seu livro será muito mais longo, muito mais
interessante e muito mais v-i-v-o... do que a maioria dos livros da vida que existem por aí.

Cerque-se de amigos.
Amigos com gostos diferentes, vindos de lugares diferentes, com religiões diferentes e que gostam de comidas diferentes.

Enfim, acho que você já entendeu o recado, não é?

Boa sorte em suas experiências para expandir seu tempo, com qualidade,
emoção, rituais e vida.

"O cérebro e a noção do tempo"

Por Airton Luiz Mendonça
(Artigo do jornal o Estado de São Paulo)

Obrigado Paula :)

2007/12/14

Ideal da Verdade - Krishnamurti

"... Eu posso expor-vos o meu ideal da Verdade, da paz perfeita e amorosa ternura, mas deveis esforçar-vos por alcançá-la por vós mesmos. Posso expor-vos os princípios da Verdade, mas vós, por meio da vossa própria Voz, e obedientes a essa Voz, deveis desenvolver a vossa
Intuição, as vossas próprias ideias, e assim alcançareis a meta onde todos nos havemos de encontrar.

Isto é para mim o mais importante na vida. Não quero obedecer a ninguém, seja a quem seja, enquanto eu não esteja convencido de que tem razão. Não quero ter crenças às quais eu não possa responder, nem dar a minha alma, o meu coração, e todo o meu ser. Deveis escutar a
vossa Voz, cultivar a Intuição, e descobrireis novos caminhos de vida, em vez de aventurar-vos por atalhos alheios..."

Jiddu Krishnamurti

(obrigado Diana :)

2007/12/10

Nutrição Emocional


Já há algum tempo, desde que comecei a trabalhar com pessoas que queriam controlar o seu peso, que neste meu trabalho tenho vindo a introduzir o conceito de nutrição emocional.
Esta nutrição emocional nada tem a ver com o que se come. E também não diria antes pelo contrário, porque não é.
Esta nutrição emocional tem a ver com a necessidade prazeirosa de termos prazer na vida. O prazer faz-nos falta, se não o tivessemos que graça teria estarmos por aqui neste nível terreno.
A nutrição emocional faz-nos sentir descansados nestas etapas de sofrimento ou sacrifícios que a vida nos vai trazendo.
Buda disse: "Há o prazer e há o êxtase. Renuncia ao primeiro para criares o segundo."
Não sugiro, numa fase inicial, tamanho sacrifício. O que sugiro é a criação e activação de outros prazeres superiores que nos vão libertando de outros prazeres mais carnais e primitivos.
O que sugiro é a busca e activação dos outros prazeres como a busca do sorriso, do encontro com a natureza, do encontro com a cultura e com a intelectualidade, do voluntariado e da ajuda, da criação de bons momentos...
Se gosta de ir ao cinema vá, se gosta de andar pelo meio da serra ande, se gosta de escrever escreva, se gosta de cantar cante, se gosta de ajudar ajude, se gosta de estar com os seus amigos esteja, se gosta de ler um bom livro leia...
Nutra-se emocionalmente. Com uma grande vantagem: a nutrição emocional nunca é parasitária mas sim simbiótica, ou seja, quando você se nutre emocionalmente você nutre o sistema que o/a envolve.
Nutra-se !

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"Nenhum homem é hipócrita nos seus prazeres."
Albert Camus
(imagem: "O princípio do prazer" René Magritte (1898-1967) pintor surrealista belga)

2007/12/09

O sorriso voador

(imagem de autor desconhecido, obrigado Rosa :)

Asas

Normalmente, Ivo via as pessoas mortas, ou as imagens da matéria que elas foram. Especialmente naquele momento em que elas acabavam de falecer, e especialmente quando elas tinham mortes violentas.
Nos últimos dias a imagem do segurança do banco que tinha sido espancado até à morte, surgia-lhe como lhe surgiu naquele dia em que assaltaram o banco em Vila Real de Sto. António.
Estas imagens surgiam-lhe normalmente com uma mensagem de algo que esses personagens, em vida, não entregaram a alguém.
Mas nos últimos tempos este segurança aparecia-lhe frequentemente, umas vezes de forma isolada, outras numa dinâmica premonitória de alguém que acabava de existir nesta dimensão terrena.
Naquele dia, enquanto saía do trabalho para casa, dirigindo-se a caminho do seu carro mais uma vez aquele personagem lhe surgiu. A passar no outro passeio lá o viu, ao segurança, com os seus óculos partidos e a cabeça rachada cruzando o olhar com ele.
Nesse instante, Ivo voltou-se para trás e viu um homem - jovial e bem-vestido - que olhava para ele. Numa expressão quase-sorridente e tranquila.
- Então e a ti ? O que te aconteceu ? - perguntou Ivo, adivinhando uma resposta estranha e pensando que aquele homem que ali estava à sua frente já tinha acabado de existir.
- A mim, Ivo ? A mim não me aconteceu nada...mas a ti vai acontecer.
Ivo arregalou os olhos e na sua mente, num turbilhão passaram as palavras "ataque-cardíaco", "AVC"... com grandes grandes pontos de interrogação.
Perdendo força, os seus joelhos tocaram no chão e virando-se para o homem que lhe dirigia aquelas palavras disse-lhe: - Diga aos meus filhos que os amo e que os sempre continuarei a amar, à minha mulher que me perdoe e que a amo muito, aos meus pais e aos meus irmãos que os levo no meu coração...
Mas calou-se, o homem olhava para ele numa expressão de impotência, encolhendo os ombros e com as palmas das mãos viradas para Ivo.
Naquele momento Ivo fechou os olhos e acordou. Ao seu lado, na sua cama, a sua mulher dormia tranquilamente. Levantou-se, foi ver os filhos, beijou-lhes o cabelo e voltou para a cama adormecendo abraçado à sua mulher.

2007/12/06

Estranhos anjos


Nesta nossa experiência terrena, em que também esta nossa energia se materializou num corpo que faz parte de nós, muitas vezes nos encontramos com outras energias.
São corpos energéticos que apesar de fazerem também parte de nós, do mesmo todo de que fazemos parte, se julgam - em provisório equívoco - diferentes.
Esses corpos energéticos, que igualmente nós somos, estão em aprendizagem e crescimento - tal como nós - mas na sua aprendizagem inseguranças, dúvidas e receios lhes surgem.
Para gerirem da melhor forma que sabem as suas inseguranças, estes outros corpos energéticos projectam nos outros - e em nós também - essas mesmas inseguranças. Procuram assim, dessa forma provisoriamente menos sábia, ganhar tempo até que, finalmente cessando essas suas projecções infrutíferas e pouco construtivas, olham de frente as próprias inseguranças e as dissolvem.
Ora, apanhados nesse turbilhão interior de um outro alguém, aqui nos encontramos involuntariamente envolvidos nessas arquitecturas pessoais.
E das duas uma: ou nos revoltamos por sentir que não fazemos parte daquele processo e ainda precisamos lidar com estilhaços e destroços que nos agridem; ou desfrutamos e aproveitamos o que dali nos faz crescer.
Porque verdade seja dita e escrita, com estes seres - e com outros - nós nunca nos zangamos, apenas nos zangamos, também provisoriamente, connosco próprios porque não soubemos lidar bem com esta ou aquela situação.
Assim, abracemos e bendigamos estes estranhos anjos que sem saberem nos tocam com as suas asas e nos fazem crescer.
A nossa vez chegará de os tocar e da mesma forma eles se sentirão provocados para crescer, para finalmente abraçarem os seus medos mutantes de sorrisos ausentes.

Animação vs. Animador 2

da sequência "Animator vs. Animation" (www.atomfilms.com) - obrigado Rosa :)

2007/12/01

O medo e o sorriso


A vida é uma dádiva importante, boa, bondosa, bendita demais para se viver com medo. Não foi para isso que nascemos, não foi para isso que sonhámos ainda antes de nascer, ainda antes de existirmos. Não foi para vivermos um pesadelo que agora para esta vida nos materializámos.
Vivemos agora um sonho lúcido, um sonho de sonhos onde a cada dia acordamos a sonhar para poder programar e criar a nossa realidade, desse sonho, desse dia. E todos os dias temos a oportunidade de iniciar um sonho de sorriso, de amor, não de medo.
E todos os dias temos a oportunidade de desfrutar desse sonho num estado natural de vivência: em amor e alegria.
Viver esse sonho em medo é uma ausência temporária do nosso estado natural.
E não é o medo nem a dúvida que nos faz avançar de sonho para sonho, é a vontade e o desejo de sorrir. E esses estão bem mais vivos do que pensamos nesta nossa matriz.

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"Eu tenho um grande medo dessa coisa de ser 'normal'. "
John Lennon