2007/12/27

"Não sei quantas almas tenho" - Fernando Pessoa


Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem achei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é.

Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem,
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.

Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo: "Fui eu?"
Deus sabe, porque o escreveu.

Fernando Pessoa

4 Comments:

Anonymous Anónimo said...

tenho tantas e tão boas, umas melhores que as outras e uma que as abraça a todas ;)

sexta-feira, dezembro 28, 2007 10:39:00 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Já eu só tenho uma, mas que muda de cor, de cheiro, de forma e por vezes até canta de forma diferente.

sexta-feira, dezembro 28, 2007 5:27:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Chamou-me a atenção a figura "Twin Souls" e o facto de estar associada a este poema de Fernando Pessoa.
"Fui eu?" Não importa... Consciente ou Inconscientemente, somos o que somos e atraímos e muitas vezes fundimos!

sexta-feira, dezembro 28, 2007 6:49:00 da tarde  
Blogger Mário Rui Santos said...

Atraímos, fundimos, renascemos, criamos, arrumamos, sorrimos... :)

domingo, dezembro 30, 2007 12:09:00 da tarde  

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