2007/08/07

Tolerância Zero, Compaixão Máxima


Sou um defensor acérrimo da compaixão, mais na perspectiva budista de quem olha o próximo dando espaço e tempo para que este mostre o seu melhor, o seu lado positivo. Numa perspectiva de me predispor - e ao ambiente que controlo - para que o lado positivo do meu interlocutor se mostre ou se revele.
Gosto de acreditar que cada um de nós tem esse fantástico lado positivo de energia, virtudes, capacidades ou qualidades que fazem com que esta vida entre humanos seja mais interessante.

O que se passa em termos reais é que por vezes esta nossa compaixão tem de se transformar numa compaixão mais dinâmica, mais activa. Optando-se por provocar a erupção das qualidades positivas em vez de ficarmos numa postura passiva.

Assim, o que se verifica é que perante a inalteração de comportamentos por parte de alguém, e após termos investido uma postura compassiva com esse alguém, se deverá proceder a uma pequena alteração estratégica. E defendo esta tese baseado na premissa de que se nada fizermos de um modo mais activo para contribuirmos para a alteração do comportamento desse alguém, o que de facto estamos a ser é CRUEIS.

Dou-vos um pequeno exemplo. Há uns dias atrás um amigo meu falava comigo, queixando-se que a mulher dele dava muita atenção ao ex-marido que era um pobre indigente, sem dinheiro, etc. etc. Esse meu amigo dizia que este "ex-marido" era um frequentador habitual da sua casa, solicitando os mais diversos favores como dinheiro, empréstimo do carro, etc. etc. Ao que a sua mulher regularmente anuía com o argumento que deviam ter compaixão dele e ajudá-lo.
Estes argumentos que a mulher dele usava normalmente desarmavam-no e ele - esse meu amigo - lá ia aceitando a situação a contragosto.

Falando nós os dois sobre esse assunto, a minha primeira reacção face à situação foi de quase completo desarme. No entanto, enquanto falava com ele sentia que naquela situação havia algo que não fazia muito sentido. E apercebi-me que o que fazia menos sentido era o próprio argumento que a mulher dele usava : o argumento da compaixão.
Aquilo que ela estava a fazer não era um exercício de compaixão, mas sim de crueldade. Crueldade em primeira instância para com o próprio ex-marido, perpetuando uma dependência ao invés de contribuir para uma autonomia, e para com a família actual, ao permitir uma intrusão regular e desequilibrante no sistema.
Em fracção de segundos, aquilo que parecia ser uma bonita demonstração de compaixão revelou-se uma das maiores perversidades da mesma.

Em família, estas situações são bastante frequentes. Acima de tudo porque o grau de tolerância entre pessoas tende a ser maior e a esperança que as pessoas mudem os seus comportamentos é também maior. É também muitas vezes frequente adoptarem-se respostas mais passivas porque se assume que qualquer reacção pode piorar ainda mais o ambiente. E assim se perpetuam silêncios de sofrimento, de falsa tolerância ou de esperança convertida em comodismo.

Mas esta atitude passiva, de tolerância ou esperança, tem de ter um limite caso contrário torna-se mutuamente corrosiva. Há que estabelecer limites para que a partir de um determinado ponto a tolerância seja nivelada a um zero e a compaixão se active e se maximize. Materializando-se numa comunicação clara, tranquilamente despertadora do bom-senso, quase provocatória, quase pedagógica, mas acima de tudo construtiva.

É o assumir de uma tolerância zero, com uma compaixão máxima e dinâmica.

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"O destino é cruel e os homens são dignos de compaixão."
Arthur Schopenhauer

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James - "Sometimes, when I look deep in your eyes, I swear I can see yoursoul..."

10 Comments:

Anonymous Anónimo said...

O problema é que se começamos a exercer esta compaixão dinâmica podem existir ainda mais atritos e a situação piorar. Não achas ?

terça-feira, agosto 07, 2007 3:37:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Parece-me uma proposta de estratégia relacional interessante, há no entanto que ter alguma calma e sangue-frio para a implementar ;)

terça-feira, agosto 07, 2007 11:03:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Aquela frase que aprendemos na nossa juventude - uma espécie de máxima que me lembro de dizer com todo o orgulho -
"a nossa liberdade vai até onde a liberdade do outro começa"
faz-me sentido aqui.
Limites. Há que sentir e respeitar os meus limites.
Se o comportamento do outro me magoa, e se todas as células do meu corpo recusam aquela situação, tenho o dever para comigo mesmo de dizer NÂO.
É daquelas situações em que a liberdade do outro começa a atravessar os campos da minha liberdade.
Eu tenho o dever, a responsabilidade de estabelcer os meus limites.
Só assim me vou respeitar, só assim vou ensinar o outro que afinal o seu comportamento não será o melhor...

quarta-feira, agosto 08, 2007 9:51:00 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

conheço várias pessoas com as quais vou adiando essa espécie de confronto - para mim é uma continuação de tolerância disfarçada, para eles é a continuação de um erro

quarta-feira, agosto 08, 2007 3:32:00 da tarde  
Blogger Elisheba said...

Gostei muit.Real e verdadeiro, com a "cabeça bem assente"!!!

"Aquilo que ela estava a fazer não era um exercício de compaixão, mas sim de crueldade. Crueldade em primeira instância para com o próprio ex-marido, perpetuando uma dependência ao invés de contribuir para uma autonomia, e para com a família actual, ao permitir uma intrusão regular e desequilibrante no sistema.
Em fracção de segundos, aquilo que parecia ser uma bonita demonstração de compaixão revelou-se uma das maiores perversidades da mesma."

Disse tudo!A isso se chama de Mentira Disfarsada ou Lobo vestido de ovelha que mais tarde ou mais cedo irá trazer dissabores muito grandes!Uma "bondade" estúpida, por assim dizer.È necessário avaliar os sentimentos pois eles vêm muitas vezes disfarsados para destruir."Nem tudo que luz é oiro"

quarta-feira, agosto 08, 2007 6:46:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Como a Fernanda escreveu, parece-me que antes de sermos capazes de exercer esta compaixão dinâmica, precisamos de nos conhecer bem e começarmos por ter esta auto-compaixão e elevá-la a uma auto-estima capaz de nos habilitar ao exercício desta outra compaixão - mas tudo se trabalha e se melhora, não é ? ;)

quinta-feira, agosto 09, 2007 5:45:00 da tarde  
Blogger Paula noguerra said...

Nem imaginas o quanto isso é REAL na minha vida, pois passo pelo mesmo... mas no meu caso não usa a "compaixão" como desculpa, e sim uma "amizade"...
Perpetuar algo que já não existe faz mal aos proprios Ex como á "familia" actual... e custa fazer isso entender, quando se arranjam as mais variadas desculpas para se continuar a "ajudar"...
Aí vem o nosso poder de exercitar a "paciência"... mas até essa se esgota!

Obg por tudo mesmo***

quinta-feira, agosto 09, 2007 5:47:00 da tarde  
Blogger Paula noguerra said...

Pior que admitir a mentira é viver com erro!!!

Eu cá não era capaz!!!!

quinta-feira, agosto 09, 2007 5:52:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Tudo na vida tem um preço. O preço do comodismo é a solidão. O preço da liberdade é a coragem.

domingo, agosto 12, 2007 2:02:00 da manhã  
Blogger Mário Rui Santos said...

Este é um blog vivo, de partilha e de co-construções de alternativas aos formatos e aos paradigmas existentes.
A sua vida depende não só de mim mas de quem o visita, de quem o lê e de quem o comenta.
Todos os comentários são lidos - mesmo nos textos mais antigos - e, sempre que se justificar também os comentarei.
Por isso verão na maior parte dos textos este meu comentário e esta minha explicação - a sua presença é uma prova de que o blog está vivo e de braços abertos para a vossa mais que bem-vinda partilha.
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Obrigado pela sua visita e pelo seu comentário.
Volte sempre :)

quinta-feira, outubro 04, 2007 6:21:00 da tarde  

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