Sim, irmão, vi-o e senti-o mais uma vez.
Agora foi numa carruagem de metro em Paris. Ontem.
Ao final da tarde, um homem de origem asiática entrou numa das estações, quase no final da linha.
Esse homem trazia com ele um trolley, um daqueles que algumas senhoras usam para trazer as compras.
Era um homem limpo, com vestes muito modestas. Os seus olhos eram rasgados mas não muito. O que me levou a imaginá-lo mais como um vietnamita ou cambodjano, não sei bem porquê.
Depois de ter encostado o seu trolley de forma segura, respeitosamente sentou-se junto de duas senhoras, uma mais jovem e outra na casa dos cinquenta. Num daqueles bancos de dois mais dois lugares em que as pessoas ficam viradas umas para as outras (uma fantástica invenção de alguém que obrigou o ser humano a olhar para o ser humano).
Após sentar-se, o homem retirou de um dos seus bolsos aquilo que parecia ser um passaporte cuidadosamente guardado num plástico. Tirando o plástico e colocando-o no banco vazio à sua frente.
E com um cuidado adicional, abriu-o e começou a murmurar baixinho. Fechando de vez em quando os olhos. Percebi que estava em oração.
Assim permaneceu, durante alguns minutos. Sob o olhar indiferente de um conjunto de pessoas das mais diversas etnias ou nacionalidades. Africanos, sul-americanos, europeus de leste…
Até que terminou a sua oração, voltando a guardar com reverência aquilo que parecia ser um livro de orações.
Nessa altura o seu olhar quase que se ilumina. À sua frente, por baixo do banco, alguém tinha deixado cair três batatas fritas de um pacote.
Sentindo a fome deste homem mais forte que a vergonha, ele baixa-se para apanhar as três batatas e guarda-as no bolso da sua camisa. E assim, permanece em silêncio, durante alguns segundos.
Enquanto isto se passava, no outro banco ao lado um pai com três filhos fazia a sua viagem. Mas uma das crianças, o mais velho com cerca de doze, treze anos manteve-se atento ao cambodjano e a toda a sua dinâmica, desde o momento em que o homem entrou naquela carruagem.
É nesse momento, depois de o cambodjano guardar as suas preciosas batatas fritas, que vejo o miúdo tocar no joelho do pai e dizer qualquer coisa em russo ou ucraniano. Percebendo então que o pai tinha no seu colo uma caixa de pizza, que mantinha com alguma atenção na horizontal, indiciando que tinha conteúdo. Talvez os restos de um almoço tardio.
O miúdo dizia ao pai, pelo que percebi, para dar a caixa de pizza ao cambodjano.
E foi contrariando alguma relutância do pai em fazê-lo, naquilo que me parecia ser a língua de Dostoyevski, até que o pai finalmente acedeu e deu a caixa ao cambodjano que lhe enviou um sentido: “merci, monsieur”.
Tendo o miúdo continuado a observar o cambodjano enquanto os seus irmãos mais pequenos brincavam, menos atentos a toda esta dinâmica.
Entretanto, o metro aproximava-se do fim da linha e enquanto o cambodjano tentava enfiar a caixa de pizza no trolley, senti uma pessoa de grande porte a passar por mim – alguém que até então não tinha observado – tocar no ombro do cambodjano, dar-lhe uma nota de dez euros e sair da carruagem no fim da linha a que nessa altura tinhamos chegado. Sem quase dar tempo ao cambodjano para agradecer.
E levantei-me também eu com alguma calma, ainda a processar a sucessão de acontecimentos que em menos de 5 minutos tinha presenciado.
Por isso te digo, irmão, de forma grata e simples, que senti que Deus tinha estado naquela carruagem.
Porque acredito que as nossas vidas estão iluminadas por momentos assim.
Por vezes poucos, por vezes simples, mas à espera de serem mais…
Por isso te digo, irmão, que Deus existe. Ele é Amor e Bondade.
Sinto-o comigo e sinto-o contigo, à espera de se ir manifestando.
Cada vez mais em nós e connosco, até se atingir uma continuidade.
Nos nossos pensamentos, nas nossas palavras e nos nossos actos.
Agora foi numa carruagem de metro em Paris. Ontem.
Ao final da tarde, um homem de origem asiática entrou numa das estações, quase no final da linha.
Esse homem trazia com ele um trolley, um daqueles que algumas senhoras usam para trazer as compras.
Era um homem limpo, com vestes muito modestas. Os seus olhos eram rasgados mas não muito. O que me levou a imaginá-lo mais como um vietnamita ou cambodjano, não sei bem porquê.
Depois de ter encostado o seu trolley de forma segura, respeitosamente sentou-se junto de duas senhoras, uma mais jovem e outra na casa dos cinquenta. Num daqueles bancos de dois mais dois lugares em que as pessoas ficam viradas umas para as outras (uma fantástica invenção de alguém que obrigou o ser humano a olhar para o ser humano).
Após sentar-se, o homem retirou de um dos seus bolsos aquilo que parecia ser um passaporte cuidadosamente guardado num plástico. Tirando o plástico e colocando-o no banco vazio à sua frente.
E com um cuidado adicional, abriu-o e começou a murmurar baixinho. Fechando de vez em quando os olhos. Percebi que estava em oração.
Assim permaneceu, durante alguns minutos. Sob o olhar indiferente de um conjunto de pessoas das mais diversas etnias ou nacionalidades. Africanos, sul-americanos, europeus de leste…
Até que terminou a sua oração, voltando a guardar com reverência aquilo que parecia ser um livro de orações.
Nessa altura o seu olhar quase que se ilumina. À sua frente, por baixo do banco, alguém tinha deixado cair três batatas fritas de um pacote.
Sentindo a fome deste homem mais forte que a vergonha, ele baixa-se para apanhar as três batatas e guarda-as no bolso da sua camisa. E assim, permanece em silêncio, durante alguns segundos.
Enquanto isto se passava, no outro banco ao lado um pai com três filhos fazia a sua viagem. Mas uma das crianças, o mais velho com cerca de doze, treze anos manteve-se atento ao cambodjano e a toda a sua dinâmica, desde o momento em que o homem entrou naquela carruagem.
É nesse momento, depois de o cambodjano guardar as suas preciosas batatas fritas, que vejo o miúdo tocar no joelho do pai e dizer qualquer coisa em russo ou ucraniano. Percebendo então que o pai tinha no seu colo uma caixa de pizza, que mantinha com alguma atenção na horizontal, indiciando que tinha conteúdo. Talvez os restos de um almoço tardio.
O miúdo dizia ao pai, pelo que percebi, para dar a caixa de pizza ao cambodjano.
E foi contrariando alguma relutância do pai em fazê-lo, naquilo que me parecia ser a língua de Dostoyevski, até que o pai finalmente acedeu e deu a caixa ao cambodjano que lhe enviou um sentido: “merci, monsieur”.
Tendo o miúdo continuado a observar o cambodjano enquanto os seus irmãos mais pequenos brincavam, menos atentos a toda esta dinâmica.
Entretanto, o metro aproximava-se do fim da linha e enquanto o cambodjano tentava enfiar a caixa de pizza no trolley, senti uma pessoa de grande porte a passar por mim – alguém que até então não tinha observado – tocar no ombro do cambodjano, dar-lhe uma nota de dez euros e sair da carruagem no fim da linha a que nessa altura tinhamos chegado. Sem quase dar tempo ao cambodjano para agradecer.
E levantei-me também eu com alguma calma, ainda a processar a sucessão de acontecimentos que em menos de 5 minutos tinha presenciado.
Por isso te digo, irmão, de forma grata e simples, que senti que Deus tinha estado naquela carruagem.
Porque acredito que as nossas vidas estão iluminadas por momentos assim.
Por vezes poucos, por vezes simples, mas à espera de serem mais…
Por isso te digo, irmão, que Deus existe. Ele é Amor e Bondade.
Sinto-o comigo e sinto-o contigo, à espera de se ir manifestando.
Cada vez mais em nós e connosco, até se atingir uma continuidade.
Nos nossos pensamentos, nas nossas palavras e nos nossos actos.
Comentários
Adorei a história e a forma como ilustraste Deus.
Pena que mesmo com um título tão sugestivo, mais ninguém tenha comentado...
Um Abraço
Diana R.