Por vezes em determinada altura da nossa vida questionamos o caminho que foi feito, as escolhas que fizemos, os projectos que abraçámos e começamos a ir numa outra direcção.
Até o fazer, muito sofremos com a dúvida, com a hesitação e a insegurança. Podemos mesmo sentir-nos confusos ou enganados pelo sistema social que nos "vendeu" um formato de felicidade material que deixa de nos fazer sentido.
Muitas pessoas se mantém durante anos, neste estado de luta interna, que as pode levar a angústias e crises existenciais. E como nos trazia José Régio, no seu "Cântico Negro", sentimos algo como "Não sei por onde vou /
Não sei para onde vou / Sei que não vou por aí!"
No entanto, para alguns esta indefinição cristaliza-se como uma zanga contra o mundo. E ficam quietos, dormentes, zangados com os maridos, com as mulheres, com os filhos, com os pais, consigo próprios...
E assim vivem o resto dos seus dias. De braços caídos, zangados com a vida, que não é bem a vida.
Outros, movidos por uma força desconhecida, selvagem e cansada de ser contida, dão um murro na mesa e vão. Em ruptura. Deixando atrás de si um quase rasto de destruição, nos vestígios do seu antigo formato de vida.
Estes conseguem parcialmente resolver o seu assunto e, por vezes, conseguem mesmo perdoar-se pela quase devastação deixada para trás.
Quando o conseguem, vivem quase felizes.
Outros que não o conseguem fazer - perdoar-se - abraçam novos princípios, mas gerindo recriminações e talvez alguns ressentimentos.
Para outros ainda, providencialmente "empurrados" por diversas circunstâncias, o caminho vai como que se abrindo para uma mudança. Vão fazendo novas aprendizagens, conhecendo pessoas novas, afastando-se de outras, começando trabalhos diferentes ou desempenhando outras funções. A pouco e pouco, se vai entrando num caminho menos percorrido (com a devida vénia a Scott Peck).
Mas, apesar dessa mudança, que lhes abre horizontes e perspectivas, vão sendo confrontados por si próprios em relação ao seu passado que vão trabalhando e arrumando, como podem, sabem ou conseguem.
Observando-se melhor, conseguem perceber padrões que repetem, crenças que os limitam ou condicionamentos que os prendiam.
Fazem as suas arrumações mentais e vão-se expondo a esses seus desafios internos. Conseguindo ultrapassá-los, umas vezes melhor outras vezes menos bem.
E nesta dinâmica pessoal, de tomada de consciência mas também de profundo trabalho interno, há desgaste e dor - levando-os a questionar se vale a pena, se há algo de errado com eles, se se estão a bloquear ou se há algo que ainda não conseguiram perceber para consolidar a mudança.
E é exactamente isso que parece passar-lhes ao lado: a consolidação.
Tal como a mim me passou, e por vezes vai passando.
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Imaginem esta situação.
Vocês estão numa bifurcação, a estrada por onde seguiam toma agora duas direcções.
Nesse local há uma velha senhora cheia de botox, pele esticada (qual Duquesa de Alba ou Betty Grafstein - que me desculpem estas nobres senhoras pelo uso da sua "brilhante" imagem), anéis reluzentes, casaco de pele e etc.
Essa senhora chama-se Sociedade.
E não sabendo que direcção seguir, perguntam-lhe.
A resposta é clara: "É óbvio. Toda a gente sabe que o caminho é aquele!" Enquanto aponta uma calçada, bem iluminada com aquilo que parecem ser uns condomínios fechados, mais à frente.
No entanto, vocês olham para o outro lado e vêem um caminho de terra que parece desembocar no meio de um arvoredo.
Algo em vós, parece indicar-vos que o caminho é esse.
Hesitam. Bastante.
Mas, finalmente, decidem segui-lo.
Percebem que afinal o caminho é uma subida, que a terra são pedras, as árvores estão mais longe do que pensavam e começam a pensar... "Se calhar teria feito melhor ter ido pelo outro caminho!"
E param. Hesitam mais uma vez.
Nestas paragens e hesitações, paramos e pensamos sobre o nosso passado. Questionamo-nos e por vezes até nos criticamos - e bastante.
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A consolidação é uma transição, feita também de dúvidas, recaídas ou retrocessos.
E nesse momento tanto sofre o nosso amor próprio, tanto.
Exigimo-nos respostas prontas e rápidas reacções. Duvidamos, fraquejamos, hesitamos...
Lembremo-nos que esse é o degrau, dos degraus. O toque que sustenta o passo e o avanço. Esse passo é a aprendizagem da tolerância e da sábia compaixão para connosco próprios. Da auto-estima, do amor próprio.
Permitamo-nos olhar-nos, nessa mudança, como a criança que aprende a andar, que durante tempo gatinhou. Também ela balança e por vezes cai.
E nessa altura será bom não a castigar nem repreender, porque se assim for ela tem menos vontade de tentar. E porque sempre que ela tenta, ela tenta de forma diferente, até que consegue.
Não somos pedras, somos flores vivas, cheias de cor.
Que buscam o sol, agradecem a chuva, beijam a terra e abraçam o vento. Mas que também suportam a geada, que podem fechar-se, que se podem enganar quando esperam o sol e as nuvens chegam.
Permitamo-nos tomar a direcção menos percorrida. Aceitemos as nossas fraquezas, dúvidas e inseguranças como sinais do que tomamos consciência e que podemos trabalhar. E só por isso há razão para nos sentirmos gratos: por percebê-las.
E ao percebê-las podemos ir tentando e tentando, de forma diferente, até que conseguimos.
Permitamo-nos amar-nos nesse caminho e valorizar os passos que já fomos dando, no caminho já percorrido.
Permitamo-nos fazer algo que é a nossa essência: amar-nos.
Fiquem bem, ou melhor ainda!
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