Frederico (nome fictício), com os seus actuais 28 anos, partilhava que sofria de fobia social. À pergunta de sobre que forma essa fobia se manifestava na vida dele, respondia-me que se lembrava de si assim desde sempre.
Desde que entrou na escola primária que se via assim. Afastado, calado, metido a um canto. Bom aluno, no entanto.
Vítima de bullying nas escolas por onde foi passando, essas situações levaram-no a fechar-se ainda mais.
Lembrando-me que mesmo que algo lhe tivesse acontecido durante a sua gestação, assumi que esta sua forma de estar teria de ter sido "aprendida" algures num momento da sua infância ou adolescência.
De nada se recordava. Descrevia-me apenas uma mãe sobreprotectora e controladora, mas fazia-o sem mágoa e com uma certa complacência.
Pensei ser essa uma das principais razões desse seu "fecho" à sociedade e orientei a minha conversa com ele nesse sentido. Sabendo que este tipo de mães reprime a activação de processos de defesa e de adaptação ao mundo - criando aquilo que vulgarmente se pode conhecer como uma "flor de estufa". Mas um dia a flor tem de sair da estufa... E os resultados podem ser uma fobia social.
Nunca tinha feito parte das experiências de Frederico a meditação, yoga ou reiki, como tive o cuidado de confirmar. Nunca se tinha sentido suficientemente atraído para essas propostas.
Preparámo-nos então para um simples relaxamento, tendo em conta a ansiedade que demonstrava, seguida pela instalação de alguns recursos e depois... logo se veria o que a mente dele decidiria trazer-lhe.
O exercício decorria de forma interessante e Frederico, apesar da sua pouca "experiência" meditativa, relaxava profundamente e envolvia-se cada vez mais no exercício.
Decidi por convidar a sua mente a viajar ao passado. Ao encontro do momento em que essa ansiedade/receio em relação ao "outro" se tinha instalado. Pensando eu que a memória a que Frederico iria aceder seria uma memória simbólica, representativa de uma sucessão de actos de sobreprotecção da sua mãe.
O dedo indicador de Frederico levantou-se sinalizando que estava em contacto com a memória.
"O que sente, o que surge na sua mente? Onde está?" perguntava eu.
F: No infantário.
MR: Que idade tem? O que está a acontecer?
F: ...
MR: O que está a observar? O que está a sentir?
F: É o meu primeiro dia no infantário... Devo ter uns 3 ou 4 anos... Estou a chorar.
MR: Vá observando, vendo, sentindo...
F: A educadora leva-me para junto das outras crianças. A minha mãe foi-se embora...
Neste momento o rosto de Frederico contraíu-se e algumas lágrimas caíram dos seus olhos.
F: A educadora deu-me uma chapada... Pôs-me num canto.
MR: Que idade tem?
F: Uns 3 ou 4 anos...
MR: Você que é o observador desse momento prepare-se para entrar em contacto com essa criança. Essa criança que é você. Pegue-lhe na mão. Tire-a daí. Leve-a até à sua praia. Acalme-a. Tranquilize-a.
É capaz de fazer isso?
F: ...
MR: É capaz de o fazer?
F: ...sim
MR: Vá acalmando essa criança. Com as suas palavras ou com os seus gestos, expressões, afecto, carinho... Você é capaz de o fazer. Você tem essa capacidade.
A postura de Frederico ia-se alterando. Acalmava-se.
No resto da sessão foi-se trabalhando todo o reenquadramento e ressignificação daquela situação, em diálogo com a criança. Avançado-se até ao perdão do acto estúpido daquela educadora.
Frederico reintegrou aquela criança, com orgulho e amor por ela, sentindo-se mais tranquilo e liberto para uma nova forma de estar e de ser. Desde então temos vindo a trabalhar no reforço dessa sua tranquilidade e confiança nas várias situações da sua vida.
E o progresso tem sido bastante satisfatório.
...
Por vezes na nossa vida verificam-se micro-ocorrências que nos podem condicionar bastante.
Eu próprio, há uns anos, sendo sujeito a uma regressão de idade e querendo trabalhar uma raiva que sentia contra a injustiça - para que a pudesse sublimar em algo ainda mais poderoso - fiz essa viagem.
E fui parar a um momento da minha infância em que, com 6 anos, me vi na sala de aula com o meu professor em pleno "julgamento".
Dois dos meus colegas de turma, o Alberto e o Laranjeira (nomes reais), tinham ido vandalizar a horta de um vizinho da escola e esse mesmo vizinho entrou na escola em busca de "justiça". E entrou na nossa sala de aula, procurando os responsáveis. O Alberto e o Laranjeira, mais velhos que o resto da turma, começaram a apontar o dedo em várias direcções - eu fui uma dessas direcções.
O meu professor, Perlouro de seu nome (também nome real), foi muito diligente na rápida aplicação dos "devidos" castigos. Na altura, ainda autorizada, uma bela e pesada régua de madeira e movimento uniformemente acelerado nas palmas das minhas mãos - durante algumas repetições.
À minha criança, o Mário Rui de 6 anos, já lhe agradeci bastante por ter aguentado e comprometi-me com ele a não voltar a permitir na sua, na nossa vida esse tipo de situações.
Ao professor Perlouro, na altura já velhote e entretanto já falecido, já perdoei e desejo que ele esteja em Paz.
Quanto aos Alberto e Laranjeira desta vida... ainda estou em fase de perdão. Mas consigo compreender hoje a sua zanga, o seu medo e a sua cobardia. O perdão está próximo. :)
Fiquem bem... ou melhor ainda.
Mário Rui Santos
www.MarioRuiSantos.net
www.Hipnose.Pro
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