2013/07/26

"Medo do cão? Racionalmente, sei que não devo ter... Emocionalmente, tenho-o!" (contos e ensaios terapêuticos)



















Todos nós, de uma forma ou de outra, já nos confrontamos com este "dilema". Numa situação em que do ponto de vista racional tudo indica que poderemos ou deveremos tomar uma decisão, dar um passo ou ter um comportamento ou atitude diferente.
Racionalmente falando, sabemos que é assim. Que pode ser assim ou que essa é a melhor escolha - do ponto de vista racional.
No entanto, algo nos impede de o fazer. Uma emoção, um sentir subtil, uma sensação, um impulso parece que nos impede.
E aí, dizemos uma coisa destas. "Eu racionalmente entendo isto tudo, mas emocionalmente há aqui qualquer coisa..." E isto é dito como se fossemos vítimas de uma fábrica de emoções que não compreendemos e muito menos controlamos.

Permitam-me sugerir (ou relembrar) que não é bem assim.
As nossas emoções não existem apenas para nos fazer sofrer, bloquear ou dar prazer.
Elas são informações sensoriais importantes que nos mostram que estamos alinhados (prazer) ou não alinhados (desconforto) com o nosso sistema de crenças, convicções ou condicionamentos.

Por vezes as pessoas dizem que sabem que não têm razões para ter o medo exagerado que têm, daquelas criaturas de quatro patas que ás vezes ladram, mas - mesmo assim - têm (E muito!).
No entanto, dizer que não têm razões não será totalmente verdade. Antes pelo contrário, têm e às vezes são muitas.

A sua dita racionalidade, ou racionalismo, apenas não consegue observar a crença ou condicionamento que lhe foi instalada. Provavelmente na sua infãncia ou adolescência e sem ter consciência do que lhe estava a acontecer.
E estas "programações" mentais são momentos por vezes de uma subtileza assustadora.

Há uns anos atrás trabalhei com uma senhora que me dizia ter nojo/repulsa de cães, o que a levava a acreditar ter uma fobia desses mesmos animais. Evitando o nojo, receava a sua aproximação.
E assim se mantinha, durante anos e anos.

Como habitualmente se faz num processo de ajuda, procuramos averiguar se terá havido alguma ocorrência traumática que a tenha condicionado. Situação muito frequente que leva a que o nosso cérebro se condicione fazendo uma generalização do que aconteceu.
Ou seja, não conseguimos isolar o incidente, com aquele cão e com aquelas circunstâncias. De uma forma ainda primitiva o que fazemos é generalizar e a partir daí todos os desgraçados dos cães que apanhamos à frente são ameaças.
Este é o "ritual" de condicionamento mais habitual, mais fácil de entender e de trabalhar.

No entanto, existem outras circunstâncias de programação mental, não traumáticas e mais progressivas - e por vezes ainda mais poderosas.
E isso também aconteceu com esta senhora.

Por volta dos seus 6 anos, os pais separaram-se. Após um período de pré-separação bastante turbulento.
Ficou a viver com a mãe, visitando apenas o pai de vez em quando e de forma muito pouco regular.
Com o divórcio e todo o processo de separação mal gerido, a mãe ficou bastante ressentida com o pai e frequentemente desabafava com a filha (durante anos) referindo-se ao pai como "um cão nojento".
A criança foi ouvindo, durante anos e anos esta mensagem.

Felizmente, para ela, não desenvolveu nenhuma fobia ao pai - apesar de as relações com ele também não serem as melhores. Mas desenvolveu uma outra coisa: uma aversão aos cães (pobres cães!).

Nunca se dando ao trabalho de contrariar esta aversão, esta "aprendizagem" foi-se cristalizando e tornou-se parte do seu ser. Materializando-se numa sensação de desconforto (emoção de medo) face aos cães.

Na base desta emoção, experimentada num micro-segundo, está uma racionalidade perfeitamente entendível. No entanto, não tendo adquirido competências para fazermos esta auto-análise pensamos estar a ser impelidos por uma força emocional não compreensível. Mas como se poderá observar estas mesmas dinâmicas são relativamente simples. A complexidade está no acto de conseguir identificá-las, e por vezes só mesmo com a ajuda de alguém.

No entanto, apenas a identificação destas dinâmicas não será o suficiente para produzir a mudança.
E aí poderá entrar a nossa imaginação para podermos produzir uma conversa connosco próprios. O que aconteceu com esta senhora que tanto receava os cães. Conversou consigo própria, com aquela criança que durante tantos e tantos anos foi ouvindo a mãe repetir aquela frase.

E à sua criança disse: "Sabes minha querida, os cães não são criaturas más nem nojentas. Apesar do que a nossa mãe tantas vezes nos disse. Ela apenas nos foi dizendo isso porque estava zangada... muito zangada... com o nosso pai.
E sabes, também, às vezes os adultos dizem umas coisas estranhas às crianças e as crianças pensam que aquilo que eles estão a dizer é mesmo assim.
Esse nojo que aprendeste não é teu. É apenas uma zanga da nossa mãe.
Agora vem. Vem comigo. Tenho uma coisa para te mostrar..."
E com a minha ajuda foi-se imaginando a ensinar a criança a aproximar-se de um pequeno cachorro e a dar-lhe uma festa. E lá ficaram, a brincar. A sua criança e o pequeno cão.
E assim, partindo do racional e da imaginação, ela e a sua criança construiram uma nova emoção.

Perguntarão no entanto algumas mentes que leram estas linhas: "Mas isto é assim? Tão simples, tão fácil?"
Não, não é assim tão simples... é ainda mais.  :)

Fiquem bem. Ou melhor ainda.
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